quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

saudosismo português


se esperássemos a esperança
vinda deste maravilhoso sol afagador
e deste céu de imenso azul aconchegante,
acreditava...



mas, acreditar que ela vem
numa manhã de cerrado nevoeiro
nas quais o carregado azul do mar
despeja na pesada areia da praia:
despojos, náufragos, correntes, grilhetas, algemas...
não creio.



Júlio Silva

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

ansiedade

como enfrentar esta ansiedade?
este nó, aflito, intestinal?
esta depressão habitual?
Filhas da solidão, de viver por caridade...
Júlio Silva

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

o barco navegando pelos olhos de minha mãe


não sei bem, perdi na arca da memória...
mas andaria pelos 3, 4anos.
estava hospitalizado afetado por uma encefalite aguda.
todos os dias e todas as noites só. completamente só.
só as enfermeiras e, de quando em vez, o médico que prometia sempre que no dia seguinte me deixaria regressar a casa.
por vezes, à noite enquanto fingia dormir e enganava assim o cansaço, ouvia chegar as enfermeiras, alegres e felizes, voltando ao hospital de uma noite bem passada, talvez com os namorados. quem sabe lá?
uma tarde, porém, senti um pressentimento e rapidamente me voltei na direção da janela. lá estava, brilhante, mas sem tempo de disfarçar o choro em sorriso, o rosto de minha mãe.
levantei-me a gritar: "-leva-me daqui!".
mas ao chegar à janela já não a vi. apenas um ligeiro aceno de adeus e os lábios desenhando um beijo no frio vidro pelo qual passei a mão incansável, até que uma enfermeira, talvez alertada pela gritaria me pegou, com mais carinho que força, e levou de novo para a cama.
naquele dia, morri.
afogado no mar maré cheia que ondulava  nos olhos de minha mãe.

Júlio Silva

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

da condição humana



Coloquem qualquer bardamerda em lugar de chefia, pode ser como chefe da merda, e assistirão ao admirável esforço de ele querer obrigar a merda a fazer as coisas mais incríveis...
Júlio Silva

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Desespero.2 e tal


Graça Morais - homem peixe III

Ida ao hospital. Santo António dos Capuchos. Consulta de oftalmologia. 4ª feira, cerca das 8:45 horas. Sala cheia. As pessoas estendem-se pelo corredor. no qual, as cadeiras existentes estão todas ocupadas. Escolho uma parede e encolho-me. Sem querer, oiço as conversas dos outros. Dois homens, conhecidos cá de fora, ou das idas às consultas, ainda sonham com o jogo de véspera da seleção nacional de futebol.
"- E o jogo de ontem? Que espetáculo!" "- não fosse o árbitro e tinham sido 7-1. O Ronaldo é um grande jogador. O melhor do mundo, se calhar." "- Ele e o Nani..." "- Sim, esse também. E o Fábio. Eles todos. Ali só há primeira água. Não há ali lixo." "- O Paulo Bento limpou o lixo todo. E é um grande treinador!" "- Sim. O gajo é bestial!" Até passar a besta, penso eu. Viro a atenção para a conversa entre três senhoras idosas que ocupam, lado a lado, desconfortavelmente, as cadeiras.
"- Como é que isto não há-de estar assim? Com estes políticos a roubarem como roubaram durante estes anos todos!..." "- Os políticos e não só. Lá em Torres, muitos pequenos que eu conheço, fazem vidas de grandes! Onde vão eles buscar o dinheiro?" A terceira, com ar de pessoa mais humilde e também mais idosa, retorquiu: "- Ai filhas! Para fezes já chegam as minhas..."
O altifalante anunciou o meu nome e exigiu a minha presença no gabinete 7.
Lá fui para mais uma compressão que terminará com o meu dia em depressão.

Júlio Silva